Em um ambiente corporativo, identificar irregularidades rapidamente pode ser determinante para preservar a reputação e evitar prejuízos. No Brasil, 63% das empresas registraram, pelo menos, um episódio de fraude nos 12 meses anteriores a agosto de 2024, segundo pesquisa da Grant Thornton Brasil. Dentre os episódios registrados, 40% foram vinculadas a valores entre R$ 501 mil e mais de R$ 10 milhões.
Ao serem perguntados sobre as tecnologias mais utilizadas pelas empresas no combate à fraude, 38% dos entrevistados apontaram as plataformas de recebimento e gestão de denúncias como o principal recurso adotado. Por outro lado, 30% das organizações ainda não utilizam nenhuma tecnologia direcionada à prevenção e ao monitoramento de fraudes.
O canal de denúncias no compliance é uma das principais ferramentas de integridade corporativa. Criado para registrar de forma segura e sigilosa qualquer comportamento que vá contra as normas internas e leis externas, esse recurso só se mostra eficiente quando há confiança de que as informações reportadas serão tratadas com seriedade, sem gerar retaliações, como destaca o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).
Nesse contexto, a figura do whistleblower (ou “soprador do apito”) tem se mostrado indispensável. Ele nada mais é que o denunciante que, ao identificar uma violação, decide comunicar o fato à organização, contribuindo diretamente para a prevenção de riscos jurídicos, financeiros e reputacionais.
De acordo com a advogada Thaynara Andretta, o whistleblower atua na linha de frente contra condutas como corrupção, fraudes contábeis, abuso de poder e assédio. Quando acolhida de forma correta, sua denúncia permite que a organização reveja processos e corrija rotas, prevenindo prejuízos financeiros, jurídicos e reputacionais, explica em artigo.
No entanto, Andretta também alerta que esse processo só funciona se o denunciante tiver a segurança de que será protegido. Sem um ambiente que garanta anonimato, acolhimento e resposta efetiva, o canal perde a credibilidade. E, sem confiança, dificilmente as irregularidades virão à tona.
A pesquisa da Grant Thornton também aponta que o engajamento de colaboradores e terceiros em uma cultura ética, que estimule qualquer profissional a relatar uma não conformidade em linha com os valores da empresa, é essencial para o sucesso dos canais de denúncia.
Ações de conscientização e um plano de treinamento de compliance sobre as diretrizes previstas no código de conduta devem ser incentivadas, sobretudo aquelas que tratam de temas como não retaliação e proteção ao denunciante.
Segundo a empresa especializada em soluções digitais de governança, clickCompliance, um dos desafios enfrentados pelos profissionais de compliance na hora de incentivar denúncias é a cultura, ainda enraizada, do medo de ser “dedo-duro” contra os “espertos”.
“Para combater isso, é necessário um trabalho contínuo de promoção da ética e integridade como um valor da empresa, e a denúncia como uma coisa positiva”, destaca a organização.
Brasil ainda precisa avançar na proteção do denunciante
Apesar de avanços pontuais, o Brasil ainda carece de uma legislação que proteja o denunciante. O pós-graduado em direito corporativo e compliance, Pedro Henrique Hernandes Argentina, em estudo publicado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), defende que o país deveria se inspirar diretamente na legislação europeia para desenvolver normas mais claras.
“A legislação pátria deveria ter como inspiração a Diretiva Europeia 2019/1937 e investir em normas de proteção dos whistleblower, tendo em vista que nosso país ainda é reconhecido pela forte retaliação aos que são intitulados como ‘dedo-duro’, causando danos não apenas na vida profissional, como também afetando a vida pessoal do denunciante”, destaca o advogado.
A Diretiva estabelece diretrizes para a proteção aos whistleblowers, incluindo anonimato, a criação de canais seguros de denúncia e a proibição de retaliações após denunciar irregularidade, como demissão ou a discriminação.
A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) também reconhece que o país precisa avançar. Por outro lado, ela destaca que, embora o whistleblower não seja previsto no Brasil da mesma forma que em leis estrangeiras, houve um início de formalização por meio da Lei 13.608/18, posteriormente alterada pela Lei 13.964/19.
Essas normas visam incentivar a participação cidadã na elucidação de ilícitos penais e administrativos, promovendo o exercício da cidadania ativa. No entanto, conforme ANPR, esse modelo ainda demanda “aprimoramento ulterior em sua regulamentação”, por intermédio de atos normativos a serem editados nos moldes já consolidados em países da União Europeia nos Estados Unidos (EUA).